Lílian Lima Queiroz CRP 11/10405
“Quando a mulher escolhe a maneira em que vai alimentar seu bebê, revela influências do seu estilo de vida, da sua história pessoal e da sociedade em que vive” (Maldonado, 2017, p. 136).
A decisão de amamentar ou não pode parecer só da mulher e/ou do bebê, mas indiretamente existem outros fatores associados, tais como: rede de apoio, história de vida, concepções sociais, emoções e expectativas acerca da amamentação.
Biologicamente, toda mulher é capaz de produzir leite e é importante que isso seja dito repetidamente, junto do mantra: “não existe leite fraco!”, pois confiança e tranquilidade podem contribuir muito durante esse processo. É, ainda, essencial que ressaltemos: esse fenômeno é bem mais complexo que só esse aspecto biológico. Práticas sociais de incentivo a amamentação e suporte emocional para que essa entrega seja viável (seja ele familiar, de grupos de apoio ou profissionais) podem ser decisivos.
Em seu livro, Amamentação: um híbrido natureza-cultura, Almeida (1999) discorre sobre os inúmeros e já comprovados benefícios nutricionais, imunológicos, emocionais e econômicos da amamentação, mas ressalta que só sabê-los não é suficiente para o combate ao desmame precoce e insistir na tecla da supremacia biológica, sem que transformações sociais amparem o amamentar, só gera culpa às que não o conseguem (ou não querem) diante de seu contexto.
Diferentes fatos podem atrapalhar a amamentação e a falta de apoio é um dos principais. Essa falta de apoio pode se apresentar em diferentes níveis. No nível doméstico, ela se manifesta quando não há uma parceria que apoie e/ou quando há muitas falas de desincentivo. A nível socioeconômico, o desamparo ocorre através da falta de suporte à mulher que quer amamentar, mas que muitas vezes precisa retornar ao trabalho de maneira precoce, antes dos seis meses do filho, tempo indicado para aleitamento exclusivo.
Outro fator importante que deve ser considerado é a qualidade da atenção à gestante e ao parto. Caso a experiência seja permeada por muita violência obstétrica também poderá dificultar a amamentação, uma vez que traz prejuízos à saúde mental materna e a construção da relação mãe-bebê.
Querer muito nem sempre é o suficiente para a lactação acontecer e, inclusive, pode ser um dificultador. A constante auto-cobrança e/ou cobranças e julgamentos externos e/ou internos podem tornar o ato mais aversivo do que prazeroso, causando tensão, medo e dor.
Olhar a amamentação humana só pela ótica biologista e instintiva a todos os mamíferos maquia as diferenças entre nós, seres socializados, e os demais animais. Há muito nos distanciamos da vida selvagem, o que nos trouxe posturas diferentes, uso de vestimentas, ritmo de vida focado na produtividade, acesso a outras fontes alimentares que supostamente facilitam o processo, etc. Em meio a tudo isso, o ato de amamentar para nós não é apenas permeado pelo instinto e pode carecer de aprendizado, de orientações de pega e de tentativas e erros acerca de posições mais confortáveis.
Viu só? Amamentar não é tão simples. E cada experiência é única. Às vezes, será preciso cuidar um pouco mais de suas feridas, estejam elas visíveis aos olhos ou mais internas e difíceis de acessar. Outras vezes, será preciso fechar os ouvidos para pitacos desagradáveis e abrir a boca para expressar seus sentimentos e dificuldades para as pessoas ao seu redor, pedindo ajuda quando dela necessitar.
Há ainda situações em que o processo será interrompido pelo bem da relação mãe-bebê, pois amamentar tem várias vantagens para o vínculo da díade, mas dependendo das frustrações e das dores que ela traga também pode prejudicar bastante a relação.
Amamentar envolve muito mais relações que só a da mãe com o bebê.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, J. A. G. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
MALDONADO, M. T. Psicologia da gravidez: gestante pessoas para uma sociedade melhor. São Paulo: Ideias e Letras, 2017.