POR LARISSA SILVA AMARAL
CRP 03/19109
Quando falamos em maternidade muitas coisas vem a mente, mas a maioria delas são pensamentos automáticos impostos pela cultura, pela história que nos foi contada e pela forma como fomos criadas e preparadas, ou não, para vivenciar essa experiência única e intensamente transformadora.
Ao falar em romantização da maternidade, precisamos primeiro entender o que significa romantizar. Em linhas gerais quando dizemos que alguém está romantizando sobre algo, queremos dizer que essa pessoa não está vivendo essa experiência como de fato ela é, e sim, está imaginando, idealizando, sonhando, mistificando, entre outros. Ou seja, o olhar sobre a experiência, pessoa ou fato, não leva em consideração as emoções sentimentos, preferências ou a realidade em si. É um olhar ilusório e criado a partir de interesse próprio sobre algo ou alguém.
Mais precisamente quando falamos sobre romantizar a maternidade estamos nos referindo a enquadrar o papel da mulher/ mãe, em condutas, pensamentos, sentimentos e posicionamentos que foram histórica e culturalmente construídos visando limitar e definir a forma como as mulheres devem agir no ato de gestar e maternar seus filhos. E porque falamos em construção histórico cultural? Porque os fatos históricos nos provam que a forma como vivemos e vemos a maternidade nem sempre existiu. Até o século XVII as mães não eram as principais cuidadoras de seus filhos, delegando essa tarefa a amas que cuidavam dos bebês até que eles crescessem e voltassem a tutela das suas famílias. Por esse motivo existia uma grande frequência de morte em bebês e crianças pequenas, pelos cuidados precários e pelas condições sanitárias da época.
Somente a partir do século XVIII é que foi imposta a mulher a obrigação de cuidar de seus filhos e transmitir para eles valores culturais, religiosos e educa-los até que eles completassem sete anos e então pudessem integrar o mundo dos adultos.
Inclusive a própria visão de infância e adolescência que temos hoje não existia até o século XVIII. Assim como não existiam cuidados específicos com eles e muito menos leis que os protegessem de todo o tipo de experiências aos quais eram expostos assim como os adultos. Não existia essa separação que temos hoje em dia. As crianças eram simplesmente mini adultos.
Então ao final do século XVIII o discurso político, filosófico e médico determinou cada vez mais que a mulher tinha como função casar, procriar, cuidar dos filhos, da casa e do marido e servir aos anseios sociais. Isso tudo de forma abnegada e resignada como uma boa mulher deve ser. Nessa época também a figura de Maria, mãe de Jesus, é alçada como exemplo de conduta para todas as mulheres, como a mãe perfeita e modelo a ser seguido. Aquela que se dedica totalmente e tudo suporta pelos filhos. Nasce aí então o mito do Instinto Materno.
E porque quebrar o mito do instinto materno? Porque essa crença nos impede de ver as mulheres como elas são e nos impõe inconscientemente a conduta de determinar que toda mulher deve ser e agir igualmente para ser saudável e aceita socialmente. Mas o que prega o mito do instinto materno? Segundo a forma como fomos criadas, aprendemos que toda mulher nasce com o instinto materno. Mas instinto é uma palavra usada pra definir disposições inatas em relação a ações particulares. Instintos são padrões herdados de respostas ou reações a certos tipos de situações ou características de determinadas espécies.
Se instinto materno existisse, ele teria que ser para todas as mulheres em todas as épocas da história humana em todos os lugares independente de cultura, crença, raça, condições econômicas. E sabemos que historicamente nem sempre foi assim. O que existe é um comportamento parental que ocorre também em animais que é o cuidado que provém de um hormônio chamado ocitocina que faz com que queiramos cuidar.
Então voltamos ao ponto inicial do texto para mostra o quanto a romantização da maternidade adoece e faz mal para as mulheres, bebês famílias e para a sociedade de maneira geral. Diante de tudo o que já foi exposto percebemos que os ideais criados em torno das funções da mulher e da mãe foram impostos sem levar em consideração as necessidades e vontades das mulheres. Pelo contrário.
Além do mais somos seres complexos e profundos. Não queremos e nem sentimos as mesmas coisas. O que faz sentido pra um não faz para o outro. E quando somos pressionados a nos enquadrar/encaixar em um modelo ideal, isso fere a nossa individualidade, o nosso livre arbítrio, nossos sentimentos e emoções. E aí temos uma ótima receita para desenvolver adoecimentos psíquicos e transtornos dos mais diversos, além de problemas de relacionamento, problemas sociais, entre outros.
A mulher se sente obrigada a ser de tal maneira porque se ela não for será julgada, criticada, excluída… Aí ela começa a se submeter e se sente sufocada, oprimida. Fica angustiada, ansiosa, deprimida, estressada. Tenta sobreviver, lutar, aceitar, se enquadrar, esconder os sentimentos, fingir que tá tudo bem. Mas querer esquecer ou esconder algo não significa que aquilo deixou de existir ou de incomodar.
E aí entra a importância da informação e do acolhimento. Eu costumo dizer que grande parte dos problemas que a gestantes e mãe tem vem da falta de informação de qualidade e da falta de acolhimento. A falta de respeito e aceitação sobre os desejos e necessidades dessas mulheres que já estão vivendo um doa momentos mais intensos e transformadores de suas vidas, com intensas transformações físicas, hormonais, emocionais e sociais… Aprendendo a se reconhecer em meio a tantas mudanças e que ainda precisam lidar com imposições, preconceitos, palpites, julgamentos, desrespeito…
A chave pra mudar esse quadro é a informação de qualidade e o acolhimento. Abrir nossa mente e aceitar que não podemos e nem devemos controlar a vida e as escolhas dos outros e aprender a respeitar o outro mesmo que a gente não concorde com ele. Seguindo nesse fluxo de pensamento será natural acolher mais e julgar menos, ajudar mais e dificultar menos, compreender e respeitar mais e impor ou exigir menos. E assim a sociedade começará a entender que precisamos sim aprender a “balançar o Mateus” das outras porque a responsabilidade de formar um ser é muito grande para ser de uma única pessoa que mesmo com todo o amor e dedicação possível, se não tiver ajuda, condição e acolhimento, poderá até conseguir fazer isso (como muitas mulheres pelo mundo conseguem todos os dias), mas as custas de muita dor, angústias e adoecimentos de todos os tipos.
E ao fim desse texto venho deixar para vocês uma reflexão importante e necessária. Você está cuidando das mulheres e mães com as quais convive ou só está reproduzindo os discursos vazios e opressores do sistema e ajudando a causar mais adoecimento a essas mulheres? Pense nisso. Busque informação de qualidade. Questione. Empodere-se. E a partir daí empodere outras mulheres para que possamos mudar essa realidade não somente na vida das mulheres, mas na sociedade de maneira geral. Não é porque nos foram impostas “verdades” que precisamos seguir com elas para sempre. Vamos aprender a descontruir para reconstruir.
Vamos?