Lílian Lima Queiroz CRP 11/10405
“Gerar filhos é um fenômeno biológico mas que não se dissocia, absolutamente, das concepções sociais acerca da maternidade. Isso significa a existência de formas diversas de maternidade, que se modificam de acordo com as demandas culturais e a conjuntura social. Cada época delineia um tipo de modelo” (Aída Maria Novelino).
O que se espera socialmente de uma mãe se transformou muito no decorrer da história e continua em plena transformação. Por exemplo, antes do século XVIII, era comum que os filhos fossem amamentados por amas de leite e, hoje, espera-se que as mães amamentem seus próprios filhos. Podemos perceber que, a partir do momento em que a maternidade começa a ser socialmente valorizada, crescem as responsabilidades da mãe e a dedicação feminina direcionada à realização dos filhos e da família.
Entre os séculos XVIII e XIX, a maternidade foi sendo construída como sinônimo de sacrifício, negação pessoal, devoção e abnegação. De maneira que, o distanciamento desse significado, poderia ser considerado uma “anormalidade”, por fugir aos padrões convencionais e à principal missão destinada à mulher. O “normal” era a mãe se entregar, com dedicação papel materno.
A modernidade traz mudanças no papel da mulher na sociedade e transformações na relação mãe-filhos. A intensificação do trabalho feminino fora de casa possibilitou a mulher outras fontes de satisfação pessoal para além da maternidade, gerando uma diminuição do tempo que a mãe passa em casa com o filho. Esse período trouxe uma nova perspectiva ao relacionar o bem-estar da mulher-mãe ao desenvolvimento psíquico saudável do filho. Dessa forma, passou-se a considerar que a mulher deveria estar realizada e satisfeita afetiva, sexual e profissionalmente, para que fosse considerada uma ‘boa mãe’. Essas ideias deram à mulher a possibilidade de se autorrealizar, distanciando-se da concepção de que ser ‘boa mãe’ significaria a total abnegação de sua própria felicidade. Por outro lado, trouxeram consequências negativas, já que, agora, a mulher deveria responder não apenas como mãe perfeita, mas ainda como uma exímia profissional, com o corpo exemplar e um ótimo desempenho sexual.
Hoje, a maioria das mulheres, lidam, simultaneamente, com as exigências de continuar cuidando dos afazeres domésticos, do marido, da educação dos filhos, das demandas de uma vida profissional e do cuidado de si e de seu corpo.
Independente das qualidades e dos comportamentos que são impostos ao papel de mãe em determinada época, aquela que foge aos padrões idealizados pela sociedade é considerada uma ‘mãe má’. Entretanto, conseguir corresponder ao idealizado é uma tarefa fadada ao fracasso, pois ele é construído por generalizações que não levam em conta a realidade de cada mulher, de cada família, de cada filho, de cada contexto. A busca incessante por ser uma mãe perfeita traz prejuízos à saúde mental da mulher, à sua auto-estima e, consequentemente, à sua relação com seu filho.
O conflito entre o ‘real’ e o ‘ideal’ pode ser claramente percebido no momento em que a mulher experimenta sentimentos contraditórios e ambíguos em relação à maternidade. As mulheres sentem excesso de culpa, frustração e sofrimento psíquico por não conseguirem corresponder bem ou da forma socialmente desejada à todas as tarefas demandadas e por não permitirem a existência de sentimentos negativos diante da maternidade, tais como raiva, tristeza e cansaço.
As teorias e as conjecturas sociais que determinam a forma certa e errada de educar, criar e educar uma criança devem ser vistas como um norte, um apoio em situações de dúvida. Podendo se tornar algo negativo se tomado como a única forma de exercer a maternidade, pois impossibilita a adequação ao seu modo de vida e aos seus projetos individuais, bem como dificultam à criação da SUA forma de maternar. Entretanto, imersas nesse mar de cobranças, algumas mulheres podem ter receio de viver a partir de seus próprios recursos e agarram-se a conservas culturais, pois estas lhes oferecem uma direção a seguir. Improvisar não lhes parece tão confiável. Para agir de uma forma diferente da que aprendeu, a mãe precisa ser capaz de se entregar ao novo, e se permitir criar. É imprescindível que o trabalho da psicologia, objetivando o desenvolvimento de sua espontaneidade e criatividade na execução do papel materno, passe por uma reflexão crítica acerca da maternidade enquanto um conceito construído historicamente e marcado por crenças culturais.