Texto por Anna Carolina Silva Guedes de Araújo – CRP 15/4579

A gravidez pode acontecer no momento em que a mulher queira gestar
(independentemente de ter ou não planejado) e se desenvolver tudo como a
sociedade espera. Mas, pode acontecer no momento em que a mulher não
deseja/consegue/pode exercer a maternidade, e também, em casos em que o
desenvolvimento da gestação se mostra incompatível com a vida do feto. Tudo isso pode resultar, ou não, na opção da mulher por realizar um aborto.

Há quem não pense muito e logo decida interromper a gravidez –
“Filhos? Nem pensar!” – sem entrar em conflitos, dúvidas, culpa. Há
quem pondere prós e contras, tomando a decisão de abortar com
tristeza e pesar – “Infelizmente, é a melhor opção”. Há quem fique
dias ou semanas num dilema terrível, pendurado entre o medo e o
desejo, com dificuldades de chegar a uma decisão. Há quem decida
enfrentar os obstáculos e, a qualquer custo, abrir espaço para a vinda
do filho […] (MALDONADO E DICKSTEIN, 2010, p.35).

O papel do profissional da psicologia, especialmente a psicologia
perinatal, é acolher todas essas possibilidades de demanda. Realizar uma
escuta ativa e sem julgamentos, sendo capaz de validar sentimentos e trazer à mulher a reflexão sobre o que é melhor para a realidade em que ela se insere, como ela enfrentaria cada uma das opções que se coloca e, com isso,
tornando a decisão o mais consciente possível.

No Brasil, o aborto voluntário só é legalmente possível em poucos casos
(gravidez decorrente de estupro, risco de morte materna e patologia
incompatível com a vida do feto). E, todas essas possibilidades são pautadas
em torno de grandes sofrimentos e traumas para a mulher. Por isso, é
necessário que as mulheres que se inserem nessas vivências sejam
amparadas não só na questão legal, mas também em aspectos de saúde
mental e qualidade de vida.

Para além desse contexto de legalidade, sabe-se que no Brasil o
número de abortos voluntários é enorme e pautado em diferenças de classe
social. As mulheres ricas utilizam serviços médicos de alto padrão, ou simplesmente viajam para o exterior e realizam um procedimento seguro (e
legal), já as mulheres pobres arriscam suas vidas em clínicas clandestinas e
métodos muito perigosos. Logo, é muito comum que haja complicações e estas mulheres pobres, que são a maioria no país, precisem ir para a emergência e consumir mais recursos públicos, tratando-se assim de um problema de saúde pública.

O fato de – sem aparo nenhum – as mulheres precisarem realizar abortos
clandestinos amplia muito o sofrimento, visto que, ela terá que tomar a decisão sozinha e passar pela ambivalência de sentimentos sem compreender direito do que se trata (isso pode gerar, ou não, arrependimento), o medo de sofrer complicações e morrer pode ser muito impactante, o trauma do processo é potencializado (seja de realizar o aborto, ou, de ser violentada no processo e ao pedir ajuda, caso precise), sem contar os julgamentos humilhantes.

E tudo isso acaba afetando, também, as mulheres que passam por um
aborto espontâneo. Pois, elas são inicialmente julgadas quando buscam
socorro médico, e com isso, muitas vezes são violentadas fisicamente,
verbalmente e psicologicamente – ao ter o seu sofrimento invalidado e sua
palavra desacreditada.

Além de lidar com o impacto da perda do filho (que
pode ter sido muito desejado, ou, pode ter sido descoberto naquele exato
momento da perda), ela precisa enfrentar a culpabilização própria e também a imposta pela sociedade.

O aborto – seja ele voluntário ou espontâneo – ainda é um tema evitado
nas discussões sociais, até na esfera da saúde, por ser um tabu. Mas, a
psicologia perinatal precisa se apropriar dessa temática para não ser mais uma peça na engrenagem de opressão da mulher, para conseguir possibilitar o desenvolvimento da saúde mental tanto no âmbito da vivência da maternidade, quanto no âmbito da vivência da não-maternidade.

REFERÊNCIA:
MALDONADO, Maria Tereza; DICKSTEIN, Júlio. Nós estamos grávidos. São Paulo: Integrare
Editora, 2010.

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