Caroline Antunes de Oliveira e Souza CRP 04/54948

Quando se perde um filho durante a gestação ou pouco tempo após o parto, é muito difícil para as pessoas em volta saber como se comunicar com os pais enlutados. Segundo Iaconelli (2007), o luto de um bebê recém-nascido carrega em si um aspecto de inerente incomunicabilidade e atrai, por sua vez, olhares de incompreensão. Dessa forma, o luto perinatal acaba cercado por mitos, evitado enquanto tabu ou ainda tratado como uma perda de menor importância. Na contramão do senso-comum, se faz necessário desmitificar essas preconcepções, dando visibilidade a dor dessas mães e pais. Abaixo falaremos sobre três mitos do luto na perda gestacional e neonatal:

Mito 1: A dor do luto na perda gestacional é menor

Gesteira et al. (2006) define o luto como uma reação normal e esperada diante de um vínculo que foi rompido. Na perda gestacional e neonatal existe a ruptura do vínculo com o filho real e com o filho idealizado, a interrupção de sonhos e fantasias, a frustração das expectativas depositadas na criança por vir. Ou, como pontua, Defey (1992), a morte de um feto está associada também a perda de um projeto de vida. Portanto, diante desta perda, há um luto tão válido e necessário de ser acolhido quanto qualquer outro. Não importa se um filho viveu durante algumas semanas de gestação ou por pouco tempo após o nascimento, ele fez parte da história dos pais e a dor de sua perda não é menor por ter ocorrido nesse momento da vida.

Mito 2: Ter outro filho faz com que a dor do luto acabe

A dor da perda de um filho não é anulada pelo nascimento de outro filho, afinal de contas, cada um deles é, e sempre será, único. Filhos são insubstituíveis.

Esse tipo de mito, muitas vezes com a intenção de consolar os pais em luto, acaba sendo prejudicial, porque não leva em consideração a importância do filho perdido na vida dessa mãe e desse pai; silencia a dor vivida, propondo soluções, onde, em geral, está sendo buscado uma escuta sem julgamentos; dificulta a real elaboração do luto; e ainda pode incentivar quem passou por essa perda a buscar uma nova gestação unicamente comotentativa de apressar o luto, aliviar a dor ou preencher um sentimento de vazio.

Segundo Gesteira (2006), a psicologia entende que para dissipar a dor psíquica de uma perda, é necessário que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca negada. Assim, o caminho para elaboração do luto não é a tentativa de substituição do filho perdido, mas sim o reconhecimento desse luto, criando-se espaços de escuta, sem culpabilização ou minimização da dor, para que a mãe e o pai se sintam acolhidos e possam viver o luto cada qual ao seu modo.

Mito 3: Homens não sofrem após uma perda gestacional ou neonatal

É comum a crença equivocada de que, pelo fato da mulher ser aquela que gesta e pare o bebê, apenas ela se vincula emocionalmente com o filho antes do seu nascimento e, portanto, só ela sofre com a perda ocorrida nesse período. Segundo Maldonado (1986), com frequência o pai é bruscamente comunicado da morte do bebê, com raros momentos em que lhe é permitido desabar e demonstrar a dor de ter perdido o filho.

Ainda hoje, espera-se dos homens, na cultura ocidental, a supressão de seus sentimentos, ou seja, que sejam impossibilitados de expressar suas dores, e é exigido, pois, que ajam como seres racionais e provedores (Quintans, 2018, p.18). Ao pai é destinado apenas o papel de dar suporte para a mãe de seu filho.

A realidade é que os homens, assim como as mulheres, podem criar fortes vínculos com o filho durante a gestação, ou mesmo antes dela, quando planejam a paternidade ou sonham em ser pais. É na ruptura desse vínculo, na perda dos seus sonhos e fantasias, que vem o sofrimento e a necessidade de elaborar o luto. Infelizmente, muitas são as expectativas sociais ligadas a masculinidade que limitam a expressão emocional do homem e reforçam esse mito.

Referências

DEFEY, Denise et al. Duelo por un Niño que Muere antes de Nacer: Vivencias de los Padres y del Equipo de Salud. Montevideo: Centro Latinoamericano de Perinatologia e Desenvolvimento Humano (CLAP), 1992.

GESTEIRA, Solange Maria dos Anjos; BARBOSA, Vera Lúcia; ENDO, Paulo César. O luto no processo de aborto provocado. Acta Paulista de Enfermagem, v. 19, 2006.

IACONELLI, Vera. Luto insólito, desmentido e trauma: clínica psicanalítica com mães de bebês. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 10, 2007.

MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da gravidez. Petrópolis: Vozes,1986. 

QUINTANS, Érica Tavares. Eu também perdi meu filho: Luto paterno na perda gestacional/neonatal. Diss. PUC-Rio, 2018.

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