Caroline Antunes de Oliveira e Souza

CRP 04/54948

A violência obstétrica

De acordo com o Ministério da Saúde (2014), a gravidez e o nascimento são eventos únicos repletos de fortes sentimentos e emoções. A experiência vivida pela mulher nesses momentos ficará marcada para sempre em sua memória e, por isso, todos os envolvidos na sua assistência, desde o pré-natal até o parto, devem lhe proporcionar uma atmosfera de carinho e humanismo. Às mulheres deve caber apenas cuidados obstétricos bem indicados, esclarecidos e que respeitem sua autonomia, seus direitos sexuais, reprodutivos e os direitos humanos.

Infelizmente, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2010, a realidade em nosso país é que 1 em cada 4 mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. A violência obstétrica consiste em abusos, desrespeitos e maus-tratos praticados no serviço público e privado por quaisquer profissionais da saúde, contra a mulher que está vivenciando a gravidez, o parto ou o puerpério. Essa violência pode ser física, psicológica, verbal, sexual, além de negligência, discriminação e condutas excessivas ou desnecessárias.

O parto traumático

O parto traumático pode ser definido como “um evento que ocorre durante o trabalho de parto ou no momento do parto que envolve real ou temida lesão física ou morte da mulher ou do recém-nascido. Durante esse evento, a puérpera experimenta medo intenso, desamparo, perda de controle e horror” (Beck, 2004). Os aspectos que caracterizam o parto como uma possível vivência traumática consideram as lesões físicas sofridas pela parturiente ou por seu bebê, mas vão muito além disso, abrangendo a violência na esfera subjetiva.

Segundo Zambaldi et al. (2009), o parto traumático está relacionado as seguintes vivências durante o trabalho de parto: medo intenso de morrer ou medo intenso da morte do bebê; sentir dor intensa e prolongada; perceber a assistência da equipe de saúde como inadequada; ter falta de informação quanto ao procedimento a que está sendo submetida; ter a sensação de perda de controle; ou sofrer alguma experiência humilhante. Dessa forma, percebe-se como a violência obstétrica, que pode colocar a mulher em contato com todas as vivências descritas acima, aumenta consideravelmente a possibilidade da percepção do parto como um evento traumático.

O Transtorno do Estresse Pós-Traumático

Algumas das mulheres que passaram pela experiência de um parto traumático podem ser afetadas de forma mais duradoura, por meio de sintomas persistentes e graves, sendo possível até mesmo o estabelecimento de um Transtorno do Estresse Pós-Traumático ou TEPT. O TEPT é caracterizado por lembranças recorrentes intrusivas e involuntárias do evento traumático, pesadelos, flashbacks e evitação de quaisquer estímulos que possam desencadear memórias, sentimentos ou pensamentos ligados ao trauma. Também é possível experienciar perda de memória para parte do evento; dificuldade para dormir; estado emocional negativo (ex: medo, culpa, raiva, vergonha); hipervigilância; sensação de distanciamento ou estranhamento em relação a outras pessoas; entre outros sintomas (DSM-V, 2014). O transtorno do estresse pós-traumático causa sofrimento significativo e prejuízos a vida do indivíduo.

Dessa forma, no contexto do parto traumático, é comum que os sintomas do TEPT apareçam como recordações aflitivas do parto, pesadelos, sentimentos negativos em relação a si mesma (incapacidade, culpa, vergonha, etc.), e a tentativa de evitar tudo que lembre a experiência do parto, sejam pessoas, situações, lugares, memórias ou pensamentos. Essa evitação pode se dar, por exemplo, como um distanciamento emocional dos filhos, evitar estar com outras mães ou crianças, ou ainda medo de ter outros filhos e passar novamente pela experiência do parto.  Também é recorrente relatos sobre experiências dissociativas durante o parto, isto é, sentir-se paralisada, fora do próprio corpo, sem sentimentos (Zambaldi, 2009).

Assim, conclui-se que, para muitas mulheres a violência obstétrica gera uma experiência de parto traumático. Dentre essas mulheres, haverão aquelas para quem o parto não é um evento traumático isolado, pois será seguido por uma cadeia de eventos negativos. Cronifica-se a violência sofrida, que aparecerá posteriormente como sintoma. Nesse cenário, devemos dar visibilidade a esses sintomas, contribuindo para uma maior assistência psicológica as mulheres, em especial aquelas vivendo o período perinatal. Caso esteja vivenciando os eventos relatos nesse texto, é indicado procurar atendimento psicológico, espaço onde poderá elaborar o trauma vivido, ressignificando as memórias dolorosas e diminuindo o sofrimento emocional.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BECK, Cheryl Tatano. Birth trauma: in the eye of the beholder. Nursing research, v. 53, n. 1, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Humanização do parto e do nascimento. Universidade Estadual do Ceará. – Brasília, 2014. – (Cadernos HumanizaSUS; v. 4).

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010.

ZAMBALDI, Carla Fonseca; CANTILINO, Amaury; SOUGEY, Everton Botelho. Parto traumático e transtorno de estresse pós-traumático: revisão da literatura. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 58, 2009.

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