Lílian Lima Queiroz – CRP 11/10405

Quando falamos de saúde sexual, falamos de corpo. Um corpo integral, um corpo que carrega história. O corpo que vemos no espelho influência nossa auto-estima e nossa abertura (ou não) para vivência da sexualidade. Mas existe aquela outra parte do corpo que funciona de uma maneira mais “misteriosa”. Nossa cognição (aprendizados, crenças, valores…) e nossa memória afetiva (traumas, registros corporais prazerosos…) também possuem ligação direta com nossa disponibilidade para vivenciar nossa sexualidade.

Se suas experiências ou aprendizados colocam o sexo como algo negativo, a aproximação sexual, o toque e o momento podem ser vividos com as marcas do medo e/ou julgamento, gerando tensão e dor. Por outro lado, se seus registros forem de prazer, a vivência da sexualidade provavelmente acontecerá de uma maneira mais fluída.

O desejo sexual difere em cada uma de nós. Algumas tem uma libido (energia que nos faz procurar prazer) mais direcionada às relações sexuais, outras podem encontrar prazeres em outros lugares e quando a gestação acontece, isso pode (ou não) mudar devido a ação de hormônios. Os tabus, os medos, as inseguranças acerca da atividade sexual durante a gestação também podem influenciar a vivência plena da sexualidade nesse período. Quando a vergonha é intensa pode, inclusive, dificultar a comunicação entre a mulher e sua parceria, bem como entre a mulher e os profissionais que a acompanham. É essencial que haja uma comunicação franca para que as fantasias possam ser questionadas e conferidas com os profissionais envolvidos no cuidado.


Após gestação e parto, entramos no período que chamamos de puerpério, o famoso “resguardo”. Classicamente, esse período corresponde as seis primeiras semanas depois do parto. Entretanto, atualmente estudos já consideram a vivência do puerpério até os 12 meses conseguintes. Esta ampliação busca compreender essa experiência para além dos fatores fisiológicos, incluindo o período de adaptação necessário para as mudanças sociais e profissionais inerentes à chegada do bebê (SIQUEIRA; MELO; MORAIS, 2019).


A partir da perspectiva mais clássica, construiu-se socialmente que o médico é quem libera a mulher para a vida sexual após o parto, mediante a avaliação das condições do corpo no pós-parto. Em geral, considerando apenas esse critério, a retomada do sexo vaginal pode ocorrer por volta de 3 ou 4 semanas (SANTANA, 2007). Mas outros fatores influenciam a disponibilidade para o sexo da mulher recém-parida, não sendo algo passível de ser “autorizado” por outrem apenas através da avaliação física do corpo no pós-parto.

A vivência corporal nesse período é intensa. Muitas vezes, as feridas abertas pelo processo de parir não são tão fáceis de acessar, o que torna seu processo de redescoberta e cicatrização algo bem complexo. Segundo Alves et al (2020), a prevalência de disfunções sexuais nos seis primeiros meses pós-parto é de 42% em mulheres que não tiveram intercorrências na gravidez e no parto. Esse dado ressalta que a retomada sexual deve ser feita de maneira processual, a fim de que os desconfortos possam ser minimizados.

O lançamento na “vida real” com o “bebê real” envolve, para além do reajuste corporal: privação de sono, cansaço, amamentação, desmotivação, hiperfoco nas atividades de cuidado do bebê (que é a prioridade no momento) e reajustes de parceria entre o casal… Todos esses fatores certamente irão influenciar a retomada da vida sexual.

O puerpério pode chegar para a mulher e para sua parceria como um momento de crise, mas crises podem ser uma ótima janela de oportunidade para a transformação, readequação e atualização do relacionamento.

Aproveitem esse período como um convite para ampliar o conceito de sexualidade. Esta não deve se restringir ao ato sexual e a penetração em si. Sexualidade também envolve carícias, intimidade, afeto, parceria, admiração, etc. E nada disso está contraindicado em nenhum momento do ciclo gravídico-puerperal.


Referências
ALVES, L. C.; COSTA, J. R.; MONTEIRO, J. C. S.; GOMES-SONHOLZ, F. A. Saúde sexual de mulheres seis meses após um evento de morbidade materna grave. Rev. Latino-Am. Enfermagem, n. 28, 2020.

SIQUEIRA, L. K. R.; MELO, M. C. P.; MORAIS, R. J. L. Pós-parto e sexualidade: perspectivas e ajustes maternos. Rev. Enfermagem da UFSM, v. 9, n. 58, 2019.

SANTANA, T. G. M. Sexualidade no ciclo gravídico puerperal. In: BORTOLETTI, F. F.; MORON, A. F.; BORTOLETTI FILHO, J.; NAKAMURA, M. U.; SANTANTA, R. M.; MATTAR, R. Psicologia na Prática Obstétrica: abordagem interdisciplinar. Barueri: Manole, 2007.

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